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A estante

  • Foto do escritor: Cristiane Bonezzi
    Cristiane Bonezzi
  • 11 de ago. de 2020
  • 2 min de leitura

Atualizado: 14 de set. de 2020


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O menino corre pra dentro da pequena livraria e se enterra em frente à estante de livros infantis, estrategicamente posicionada logo na entrada do casarão antigo, com prateleiras baixas, ao alcance de mãos curiosas e ávidas. Ele saca um livro atrás do outro, abre, explora, e o soca de volta na prateleira pra devorar o seguinte, como quem não come a uma semana.


A mãe logo bronqueou — “Cuidado, menino! Presta atenção, livro é uma coisa pra se usar com muito cuidado. Eles são frágeis e carregam segredos preciosos, e nenhum desses é seu ainda.” — “Mas como eu vou saber se é bom se eu não abrir pra ver o que tem dentro?” Com esse argumento, a mãe suspirou. Mas ainda preocupada com a integridade física dos livros, logo insistiu — “Tá bom. Quer ficar aí, fica. Mas eu estou indo embora.” Ele, respiração contida, não pela ameaça da mãe, mas pelas peripécias de um tal Koumba com um tambor que ele descobria aos poucos, não se moveu. Acho que pensou que a mãe estava blefando ou que a companhia de Koumba lhe bastava. Mas a mãe apelou e foi saindo. — “Não, mããããe! Espera!” Berrou e sumiu atrás da mãe, deixando pra trás histórias em aberto.


Volto o olhar pros títulos sobre a mesa: Água Funda, Crime e Castigo, Heroínas Negras em Cordel, Nós, Como Fernando Pessoa pode mudar sua vida… –“Dá vontade de levar tudo!”, digo me virando pro vendedor e quase tropeço num menino de cabelos cacheados que se fingem domados por um boné azul. Ele voltou! Meu peito sorriu.


Ele agora estava acompanhado da tia, que chamava a mãe do outro lado da estante –“Você mostrou pra ele esse de colorir? Olha, Pedro, pega esse dos Quilombolas, é de colorir.” Ele espiou, mas já estava entretido com um livro interativo sobre como funciona um pimbolim qeu acompanhava um mini-pimbolim pra construir sozinho. –“Você não gosta de pintar? Escolhe esse aqui, depois a tia te dá um estojo de lápis de cor.” Ainda tentou, em vão.


–“E esse dos Orixás?” arriscou a mãe, enquanto ele investigava os mistérios da ciência no livro escondido na base da pilha sobre a mesinha baixa. Agora ele olhava pras duas e pros livros à sua frente, esticado, como num cabo de guerra em que ele era o cabo. Até que ele soltou –“Não quero nenhum desses!” pra se desvencilhar do estica-e-puxa. A mãe, exímia estrategista, rebateu — “Tudo bem, se você não quer nenhum então já podemos ir embora. Vamos?” –“Não, espera!” E, se pendurando aos Quilombolas que a tia ainda segurava nas mãos… “Me dá esse mesmo”.


Melhor um livro na mão do que dois numa estante que não é sua.


 
 
 

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